segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

carta secreta III - na esperança de não ter mais o que dizer

A algumas luas já não posso adentrar teus olhos, sorrir teu sorriso, aconchegar-me em teu cheiro. Estranho sentir que devo escrever-te agora, principalmente porque algo em mim diz que tais palavras nem chegarão a teu coração. Sei apenas que agora é meu coração que está em jogo, perdido entre as chances de continuar e as forças que persistem em tentar fazer-me ficar aqui parado, neste mesmo lugar, ainda escrevendo-te.

Talvez tenha sido este meu erro (se é que existem erros ou acertos em assuntos como este), ter vivido nossa história em meio a retóricas que eu mesmo inventei pra mim. E somente pra mim. Ter construído impérios e castelos que não podem ser ocupados, tendo de ser agora desfeitos em ritmos que não compactuam com os desejos de não mais sofrer.

O que posso garantir é que não mais me reconheço entre as frases que outrora escrevi, e menos ainda nas que tu jogas-te ao vento. Há tempos não escuto aquelas nossas músicas e já reinventei outras cores para o pôr-do-sol que um dia foi nosso. A cada dia arranco você de mim mais um pouco e, por mais que me doa, nem as lembranças boas podem restar de tudo isso. Infelizmente elas fazem parte de uma amálgama que formula tudo o que nós fomos um dia e agora não mais podemos ser. Estão maculadas de um ardor amargo que faz com que até do teu rosto eu não consiga mais me lembrar com clareza.

Sim. O que vivemos permanece suspenso em algum lugar, mas que a cada dia estende-se mais para fora de mim.

Ao mesmo tempo em que queria muito que tivesse sido diferente, estou podendo aos poucos entender que as cirandas do tempo não são estanques e as possibilidades de dias felizes são inúmeras, mesmo sem o que você foi em mim um dia.

Mesmo que possa parecer o contrário, não te desejo mal algum, mas que tenhas o que você mesmo puder conquistar, longe de meus olhos.

Abraços vazios,

daquele que um dia viu em você o próprio bem.


Imagem: Fotografia de Cristian Mossi

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